Justificativa do tema do evento

O tema central do 10º Simpósio do Cuidar em Enfermagem e Saúde – ENFCUIDAR e do 3º Simpósio Internacional do Cuidar em Enfermagem e Saúde possui dois elementos que são conceitos importantes na construção do conhecimento e da prática da enfermagem. O primeiro elemento são as “concepções teóricas” e o segundo é “cultura dos cuidados”.

Reconhecida como a ciência e a arte do cuidado, a Enfermagem moderna é um campo de conhecimento construído a partir do século XIX, com base na ciência emergente na época. Segundo Silva et al. (2022) sendo um saber dominado por mulheres e dirigido ao ato de cuidar, o conhecimento no campo da enfermagem foi evoluindo à medida que foi sendo praticada e estudada em bases científicas, embora em seus primórdios mantivesse forte influência de suas origens religiosas e militares.  As autoras também destacam que

“… o conhecimento capaz de fundamentar o cuidado de Enfermagem deve ser construído na intersecção entre a Filosofia, que responde a grande questão existencial do homem, a Ciência e Tecnologia tendo a lógica formal como responsável pela correção normativa, e a Ética, isto é, na abordagem epistemológica efetivamente comprometida com a emancipação humana. A Enfermagem, portanto, enquanto ciência e arte de cuidar baseia-se no pensamento científico e na filosofia contemporânea”.

Assim, as concepções teóricas, sejam estas em nível de filosofia ou em nível de teorias mais ou menos abrangentes, são a base do edifício do conhecimento e do cuidado profissional de enfermagem. Nesse sentido o propósito desta edição do 10º Simpósio do Cuidar em Enfermagem e Saúde – ENFCUIDAR e 3º Simpósio Internacional do Cuidar em Enfermagem e Saúde, é trazer à luz pesquisas de elaboração, análise, avaliação, teste empírico e aplicação das teorias no cuidado humano no campo da saúde e da enfermagem, que contribuam e fundamentem uma cultura dos cuidados. E a cultura dos cuidados são práticas e saberes acerca dos cuidados imersos na cultura em todos os tempos e por todos os povos, considerando aspectos sociais, políticos e sanitários com suas ideias, sentimentos, símbolos, crenças, ritos e significados em prol do bem do próximo no sentido da inclusão e justiça social.

A compreensão das contribuições teóricas de Enfermagem e da cultura dos cuidados é fundamental para que a prática assistencial dos enfermeiros possa ser enriquecida a partir das possibilidades mediadas pela criatividade na experimentação a partir de conhecimentos advindos da ciência e da cultura. De acordo com Santos et. al. (2019), tal possibilidade de experimentação articulando o conhecimento científico e a prática profissional ainda pouco é explorada na Enfermagem brasileira. No entanto é essa possibilidade de inovar que permite avançar na construção de oportunidades para ressignificação do contexto em que o enfermeiro está inserido e apreender dele um potencial transformador em suas ações do cuidado.

Costa e Silva et. al (2022) destacam que a Enfermagem é uma profissão única, em evolução e em constante mudança, e as transformações experimentadas ao longo dos anos têm gerado desafios para sua construção. A ausência do conhecimento das concepções teóricas na cultura dos cuidados de enfermagem reforça a reprodução de uma prática profissional que apenas reproduz ações meramente técnicas, acríticas, resultando em ausência de autonomia e de reconhecimento do valor profissional.

Os autores reforçam a importância da aquisição do conhecimento das concepções teóricas de enfermagem, para fundamentar o planejamento da assistência de Enfermagem por meio da estrutura conceitual construída sobre os fenômenos do cuidado. Tais fenômenos precisam ser compreendido dentro de uma cultura dos cuidados. Tal prática se consolida pelo processo de Enfermagem, e nesse contexto, as teorias são subsídios para orientar o processo. Assim, as concepções teóricas aplicadas em um contexto que considere a cultura dos cuidados, promovem e garantem sentido para a prática da Enfermagem, e a ausência dessa sustentação teórica sólida na assistência pode reduzir as práticas ao desempenho de procedimentos técnicos.

As articulações entre Cultura e os cuidados em saúde são evidentes, pois para compreender e avaliar a saúde de uma pessoa, uma família ou uma comunidade, é necessário analisar seu contexto cultural. A compreensão sobre a saúde passa pela contextualização social, econômica e ambiental, além do conhecimento dos valores e práticas culturais que socialmente construídas, definem o comportamento de pessoas, comunidades e sociedades como um todo. Assim, a cultura pode afetar a saúde tanto positivamente quanto negativamente.

Valores e práticas culturais são realidades indissociáveis da saúde. Assim, em definição proposta pela UNESCO, entende-se cultura como: “o conjunto dos traços distintivos espirituais e materiais, intelectuais e afetivos que caracterizam uma sociedade ou um grupo social e que abrange, além das artes e das letras, os modos de vida, as formas de viver em comunidade, os sistemas de valores, as tradições e as crenças” (UNESCO, 2001). Nesse sentido, a saúde é parte da cultura. Seus saberes e suas práticas são construídos de acordo com o contexto cultural. Ou seja, as práticas ligadas à saúde são, sempre, aspectos culturais de uma sociedade.

De acordo com Dupin (2020), no Brasil, a diversidade de grupos e culturas correspondem a vários sistemas de atenção à saúde, que vão desde a medicina tradicional ofertada pelo Sistema Único de Saúde (SUS) à medicina popular, a práticas alternativas de cuidados e sistemas médico religiosos. Por outro lado, FANCOURT e FINN (2019) destacam a dimensão da criação artística como meio de contribuição da cultura para a saúde e o bem estar. Os autores apontam que resultados de mais de 3.000 estudos permitiram concluir que as artes trazem grandes contribuições para a prevenção dos problemas de saúde e para sua promoção, bem como o cuidado e tratamento de doenças ao longo da vida.

Em editorial publicado em 2013, na Revista Enfermagem UERJ, a professora e teórica da Enfermagem, Iraci dos Santos, destaca que todos cuidam para viver, incluindo a proteção do planeta e seus habitantes. No entanto, o cuidado profissional é prerrogativa da profissão de enfermeira, uma profissão exercida majoritariamente por mulheres.

A cultura dos cuidados na qual o cuidado profissional de enfermagem está imerso abarca diferentes valores culturais, éticos, técnicos, científicos, sociais e étnicos, principalmente no Brasil, onde predomina a diversidade étnica e, consequentemente, cultural. Os aspectos dessa diversidade neste país, devido à miscigenação, fortalecem o cuidado diante do processo saúde-doença, isto é bem-estar/mal-estar, tendo em vista que o modelo biomédico do cuidado, no ocidente, ao longo dos séculos, tem sido hegemônico, influenciando esse processo, impedindo, frequentemente, em prol da ciência (ou da cultura organizacional biomédica), os laços entre as pessoas e suas raízes culturais mais profundas (Iraci dos Santos, 2013).

“Vale ressaltar que os saberes compartilhados entre as pessoas, leigas, afrodescendentes, indígenas, orientais, os considerados cientistas e os profissionais de saúde, ainda não expressam a realidade. Apesar do avanço científico, inclusive das áreas da homeopatia e das terapias complementares (acupuntura, floralterapia, reiki, cromoterapia e outras), além da fisioterapia, a integração interdisciplinar e multidisciplinar, ainda não caracteriza o fazer da área de saúde. Entretanto, o conhecimento procedente de certas culturas citadas só é disseminado através da oralidade entre seus pares, representando um prejuízo para a evolução científica. Desse modo, o cuidado com a vida no planeta, um bem para todos, passa a ser capitalizado em diversas culturas, inclusive na da cientificidade (Iraci dos Santos, 2013)”.

Iraci dos Santos finaliza seu inspirador texto instando os enfermeiros para ressignificar o cuidado de enfermagem. Mas para isso é preciso voltar ao que se conhece sobre esta arte e destacar que seu objetivo é manter, com qualidade/ bem-estar, a continuidade da vida.

Assim, tudo é cuidado… na vida. No viver… e conviver com o mundo, consigo mesmo e com os outros, até o que se concretiza, inadvertidamente, como descuidado. Pois a intenção deve ser sempre cuidar do planeta, cuidar da terra, dos mares, do ambiente, da sociedade, dos seres animados e dos que pensamos serem inanimados, visto que eles, também, contribuem para o equilíbrio do planeta e consequente manutenção da vida com qualidade. O perigo do cuidar é o excesso no cuidar de si sem pensar em nossa ligação com o cosmo e com os demais seres viventes (Iraci dos Santos, 2013).

Prof. Dra. Célia Pereira Caldas

Faculdade de Enfermagem da Uerj

Departamento de Enfermagem de Saúde Publica

Presidente do Enf. Cuidar